setembro 20, 2012

Journey, uma viagem emocional

Jenova Chen começou a sua carreira no mundo dos jogos no curso de Media Interactivos da Universidade de Southern California. O seu primeiro jogo surgiu a partir de um conceito submetido a um concurso da própria Universidade que ganhou, tendo recebido 20 mil dólares para fazer Cloud (2005). O conceito de Cloud, era tão simplesmente procurar desenvolver estímulos emocionais de tranquilidade num jogo, algo ainda hoje pouco comum. Esta mesma premissa esteve depois presente no jogo que este realizou como projeto do seu mestrado Flow (2006) em Flash, e que seria depois portado para a PS3 no ano seguinte. Em 2009 a premissa continuava viva com Flower, e agora chega-nos Journey (2012).
Nos primeiros jogos Chen utilizou como mecânica base de movimento, o voar (em Flow era mais uma espécie de nadar, mas muito próximo). Claramente numa tentativa de operar o sentimento de flow, definido por Csíkszentmihályi e que deu nome ao seu jogo de mestrado, por via da sensação de liberdade que a navegação em ambiente digital proporciona ao utilizador. Em Journey, essa mecânica tornou-se bem mais complexa, com maior diversidade de movimento e com muito mais detalhe.
Journey procura manter o sentimento de liberdade ou libertação em busca da tranquilidade, através da navegação. Podemos andar a pé, mas podemos fazer grandes saltos que nos permitem flutuar e voar por breves instantes, e que nos atiram de imediato para Cloud. Por sua vez o andar da nossa personagem é muito rico em diversidade estética. O mais evidente aparece na forma de deslizar nas areias, evocando a liberdade do sandboard, e aproximando-se em termos de controlo da câmara, do deslizar em Flower. Mas aquilo que mais me impressionou, e foi logo a abrir o jogo, foi a variabilidade no andar que surge quando este está a subir um monte de areia face ao simples andar. Não é apenas o design do personagem que se altera, mas a sua simultaneidade com o movimento do mesmo, e com a câmara, tudo junto cria uma espécie de lentidão que se apodera do nosso andar, quase conseguimos sentir o "nosso corpo" a enterrar-se na areia fina e seca.
Journey à semelhança dos jogos anteriores, tem objectivos difusos, ainda que dos quatro jogos seja o mais definido. Ou seja, o que é relevante é o processo de chegar ao objectivo, e não o objectivo em si. Em Journey o objectivo acaba por assumir um peso muito maior a partir do meio do jogo, para se assumir como central no final do jogo. Journey não procura apenas explorar a estimulação da tranquilidade, e viver da experiência da viagem, quer antes criar uma experiência completa de jogo. E neste sentido Journey oferece uma experiência, ainda que minimal do ponto de vista do enredo e interacção, totalmente clássica no arco dramático. Journey começa por nos introduzir ao mundo, às mecânicas, e objectivos de forma calma e relaxada. À medida que vamos avançando o mundo vai-se complexificando, ficando mais escuro e pesado, chegando mesmo a gerar medo, para no final nos dar um clímax capaz de libertar toda a tensão desenvolvida, produzindo em nós uma diversidade emocional pouco comum nos videojogos, e com uma enorme intensidade.
Neste sentido Journey é o culminar de anos de experiência na tentativa de implementar um conceito pouco trabalhado na arte dos videojogos. Aqui atingiu-se um ponto no qual foi possível num jogo juntar todas as emoções comuns ao mundo da narrativa, tão utilizada na literatura e cinema. O ambiente que se introduz, o conflito que nos envolve, e finalmente a libertação desse conflito, e a sensação de um completo fechamento da experiência. Tudo o que eu disse acima contribui para isto, mas existe um outro detalhe, que é para mim extremamente relevante para o que aqui foi feito, a duração do jogo. Journey tem uma duração média de jogo de duas horas, o que é para mim o limite para se construir uma experiência audiovisual narrativa óptima, tal como já defendi no passado. É possível começar a jogar e acabar numa única jogada, e isto contribui tremendamente para que o jogador capture todo o sentido narrativa, atribua valor à experiência, e não se perca nos detalhes, que acabariam por diminuir o impacto do clímax final do jogo. Aliás, isto já foi questionado, e a resposta do Chen não podia ser mais clara: "We don't want to add any filler, because people are paying money to experience that. If we add filler, that's disrespect". Foi exatamente por causa deste filler que achei Uncharted 3 um jogo menos conseguido
Não posso fechar este texto, sem referir o multiplayer. Não percebi logo que o outro personagem era um outro jogador, mas depois de perceber, só posso dizer que atravessar o clímax final na companhia de um outro jogador, ainda que desconhecido, é um forte catalisador do momento. Tanto que o outro jogador, assim que acabámos o jogo, pediu logo amizade para poder falar da experiência comigo. O multiplayer está muito bem conseguido, porque o sistema só permite dois jogadores de cada vez, e não identifica quem é o outro. Deste modo ele é mais um daquele universo. A colaboração não é estimulada, ainda assim por várias vezes que tentava saltar zonas altas, e outro jogador vinha até mim para me dar energia e ajudar-me a voar, ou quando ficava à minha espera numa determinada zona como que a indicar-me o caminho, sentia-se a beleza da entre-ajuda.
Journey é uma experiência única, como tal merece ser experienciado e absorvido em todas as suas dimensões. Mais sobre a arte do jogo pode ser visto no vídeo de lançamento do livro Art of Journey, mas vejam apenas depois de jogarem. Se quiserem saber mais sobre a produção do jogo podem ver o post-mortem da Robin Hunicke na GDC Europe deste ano.

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