outubro 27, 2007

Televisão, um estatuto português

Portugal um país no qual o ensino das artes se resume a duas cadeiras denominadas por Educação Visual e Educação Musical. Duas cadeiras que para além de serem manifestamente insuficientes, no caso musical resumem-se apenas a dois anos dados no 2º ciclo. Têm ainda a particularidade de estimular uma aprendizagem meramente técnica descurando totalmente os fundamentos das artes em questão.

Na música, os alunos que tenham a sua educação restringida à escola pública, no final de 12 anos de estudos, não terão a mínima noção sobre quem foi Mozart, Beethoven ou Bach ou o que os distingue. Não terão o mínimo de conhecimento sobre estética ou performance, não serão capazes de distinguir uma sinfonia de um concerto...

Na área visual e tendo em conta que ao denominar-se por esta etiqueta estaríamos a falar de todo um espectro que pode ir desde o desenho, pintura ou escultura até ao cinema, fotografia ou videojogos. Mas detendo-nos apenas e só na pintura, o que sabe um aluno da escola pública portuguesa ao fim de 12 anos de escolaridade? Saberá ele quem foi Van Gogh, Miro, Matisse, Bosch, Dali e porque não Pomar, Resende, Vieira da Silva ou Paula Rego?!! Saberá ele distinguir um quadro impressionista de uma obra expressionista? Mais importante que isto, saberá ele perceber que uma imagem (pintada, fotografada ou filmada) é antes de tudo uma montagem de elementos subjectiva composta por um ou mais autores, que o significado da imagem não tem uma significante tão relacional como o da palavra e que o valor denotativo parecendo por vezes ser parte da própria realidade é apenas um mote para a elaboração conotativa?

Julgo que o pensamento de muitos dos nossos grandes educadores e políticos nos dirá que o mais importante está na Matemática e no Português (como as recentes campanhas a apelar ao ensino da Matemática e da Leitura) e que tudo o resto pode ser adquirido através da cultura geral. E isto equivale a dizer através da televisão. Tanto mais que os manuais escolares que se vendem aos nossos filhos vêm agora impregnados de trabalhos que se socorrem de contextos televisivos, tais como reality shows e afins. Sendo que a lógica, que até parece tê-la, é que os miúdos não conhecem mais nada e assim será mais fácil motivá-los e levá-los a aprender. Como digo, até parece ter lógica, tudo o que motive é bem-vindo. Mas pergunto, não nos estaremos a esquecer da questão mais uma vez do ovo e da galinha? Se eles não trazem o conhecimento de casa, devemos então chover no molhado, valorizando esses rudimentos de cultura que estes trazem consigo para a escola? Ou não deveríamos antes fornecer-lhe novas ferramentas de desconstrução do real que lhes permitissem aprender a "olhar" para o mundo. Não estaremos a condicionar estas pessoas, que não têm recursos para frequentar escolas de Ballet, aulas de violino ou de expressão plástica, à rotina fabril do trabalho sem questionamento das 9h às 5h. Mas não terá chegado a altura de dizer basta. Não percebemos já, que a China é o novo mercado e que Portugal é uma gota desprezível na imensidão de mão-de-obra barata.

Vejamos então, o que é que temos conseguido com este sistema. A primeira evidência é a total subserviência aos modelos impingidos pela Televisão. A televisão representa em Portugal no século XXI, não um quarto poder, mas o primeiro. Não é novidade isto que eu digo, Emídio Rangel terá dito que tanto venderia sabonetes como presidentes, com o poder que a antena nacional lhe colocava nas mãos. A verdade é que não andava muito longe da verdade. Se olharmos para a realidade que contextualiza a vida quotidiana das classes D e C veremos que ela está completamente carregada de simbologia televisiva. A própria sociedade habituou-se a atribuir valor apenas àquilo que aparece na televisão e acima de tudo àqueles que na televisão são vistos. A máxima mudou, já não estamos no tempo em que "se apareceu na televisão é verdade" mas antes "se não está na televisão, não existe".

Vejamos o caso dos actores portugueses e comparemos teatro, cinema e televisão. Um actor em Portugal que se limite a uma carreira no teatro ou no cinema nunca poderá ambicionar a grande carreira porque mais cedo ou mais tarde verá trabalhos serem-lhe recusados porque o seu nome não é suficientemente conhecido para poder vender bilhetes. Casos de sucesso como Alexandre Lencastre ou Ana Zanatti teriam o mesmo impacto num cartaz caso não tivessem recorrido a uma carreira televisiva? E o que dizer dos fenómenos de popularidade de Ruy de Castro ou Diogo Infante, seriam o mesmo sem a televisão?

Pois é, e na literatura. Na semana passada assistimos a uma histeria desenfreada das três revistas de informação semanal relativamente às figuras de José Rodrigues dos Santos e Miguel Sousa Tavares relativamente ao facto de estarem ambos prestes a lançar novos romances no mercado. Ambos representam pesos pesados nas vendas de livros nacionais. Agora pergunto quantas capas de revista ou jornal foram dadas a outros escritores portugueses contemporâneos tais como Lídia Jorge, José Luís Peixoto, Jacinto Lucas Pires, Pedro Paixão, Luísa Dacosta, Mário Cláudio entre muitos outros.


O problema é que este estatuto que a televisão confere não se aplica apenas aos actores ou escritores. Este estatuto é conferido a todo e qualquer indivíduo que se coloca sob as lentes dos canais e aos quais a televisão atribui um "selo de qualidade" implícito. Pensemos nos líderes de opinião portuguesa: Marcelo Rebelo de Sousa, Pacheco Pereira, António José Teixeira, Francisco Moita-Flores, Rogério Alves... Mas agora que me indago, para quê ir mais longe do que o nosso primeiro-ministro. Quem era José Sócrates em 2005 e quem é agora. E já agora quem foi o anterior primeiro-ministro e para que não digam que não tinha sido eleito por sufrágio, então quem é o actual líder da bancada parlamentar do maior partido na oposição?

É uma realidade, já não é uma mera ficção, já não é mera hipótese, a televisão vende sabonetes assim como vende primeiros-ministros. Mas não só, a televisão constrói a realidade portuguesa. Quando sei que o primeiro local para onde os portugueses telefonam após uma tragédia é a televisão e não 112. Quando as pessoas perdem o emprego não se dirigem ao sindicato mas à televisão. Quando as pessoas são burladas ou são roubadas vão à televisão e não há polícia. É natural que tenhamos de nos colocar a pensar que algo vai mal. Sobre esta questões deixo ficar o interessantíssimo vídeo enviado por Luís Santos, obrigado.



“Se está na televisão é bom, se não, não estava lá”. Neste mesmo sentido têm as Universidades, mais as privadas que as públicas, sejamos honestos, aproveitado para contratar estas “personalidades” para figurarem nas suas listas docentes. Não porque o aporte que estes trazem à edificação lectiva represente uma mais-valia para os alunos mas antes porque a sua mais-valia está caracterizada por um retorno financeiro à custa da atractividade que os seus nomes poderão conseguir na angariação de novos estudantes para as suas fileiras. Mas então e porque é que estes estudantes são conduzidos por estes nomes. Porque lhes soa a pessoa informada, pessoa de grande capacidade intelectual, pessoa capaz de abrir horizontes? Não me parece. Aqui o que funciona é uma vez mais o lado mágico da presença em face da celebridade, não conta o que ele faz ou o que ele é, mas antes a sua imagem plasmada num ecrã que todos conhecem e todos viram e agora “eu estou aqui na mesma sala e na sua presença e por isso sou um privilegiado face aos outros que não podem ter acesso a este pequeno momento que será apenas nosso”.

Apenas para concluir algo que não se pode, nem resumir nem detalhar, porque um blogue não é propriamente o espaço ideal para discursos tão longos. Gostaria apenas de deixar uma linha apelando a que se elevem os critérios de orientação das nossas camadas jovens e para o qual não basta um Plano Tecnológico, seria bom que o nosso governo começasse a pensar seriamente numa nova aposta para a próxima legislatura que assentasse num Plano Artístico e Criativo. Um plano que defendesse como máximas a criatividade e a imaginação. Em que os valores intrínsecos do indivíduo fossem apoiados para produzir inovação e diferença, não permitindo o esmagamento operada pela filtragem do senso comum, das maiorias ou de meros objectivos económicos.

UPDATE 29.10.2007: Agradeço ao Luís Pereira o envio da seguinte informação.
Começa hoje aquela que é, nas palavras de João Soeiro Carvalho, comissário da Conferência Nacional de Educação Artística (CNEA), "a maior conferência algum dia feita nesta área em Portugal"

1 comentário:

  1. Como professor do Ensino Básico e Secundário, lamento que a escola não seja um espaço privilegiado de criatividade. Como, no fundo dizes, a formatação dos alunos não os prepara para uma sociedade com novos desafios.

    Mas, sobretudo no contexto actual, é difícil explicar como é que um professor quando lê um livro, vai ao cinema, ao teatro, a museus… pode estar a preparar as suas aulas.

    Ps: muito bem apanhadas as capas.

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